quarta-feira, maio 12

Inteligência x Sabedoria

Até há algum tempo eu costumava confundir essas duas palavras. Na prática usava-as sem discernir seus conceitos, embora soubesse na teoria que seus conceitos eram diferentes. Mas como era possível?

Acho que porque dissociava teoria de prática, e aplicava as palavras no discurso do dia-a-dia, guardando certos conceitos para uma situação mais especial, ou sublime. Devia ser isso.

Eis que um dia, fui alertada para o equívoco que estava cometendo. Aliás, estava cometendo dois: julgando e utilizando termos errados no meu julgamento. A partir desse dia esses dois conceitos e as palavras que se usam para transmitir suas idéias ficaram bastante claros para mim. Mais que isso: não foi uma descoberta que abrangeu tão-somente os campos da semântica, do significado, da lingüística, de um lado, e o repensar e a compreensão de novos valores e novas formas de compreensão do comportamento, das características e das atitudes do ser humano, de outro. A descoberta trouxe-me um novo questionamento e mais uma busca.

Não aprendi, apenas. Mudanças começaram a ocorrer, paulatinamente, na minha forma de viver, de agir, de ver e de enxergar. [Bem, paulatinamente é um pleonasmo e uma ênfase, porque desconheço mudanças no ser humano que ocorram, eficazmente, de forma que não seja gradual. Talvez existam drásticas e raras exceções. Mas a prova de que mudanças são gradativas, no meu entender, é o fato de que a pessoa que mudou geralmente só percebe que de fato mudou muito tempo depois. Para os que com ela convivem é mais visível, e acredito que vão percebendo o processo; mas quem se permitiu mudanças freqüentemente só percebe ao olhar para trás e ver uma pessoa bem diferente do que é e do que está vivendo.]

Mas, afinal, o que mudou tanto, ou o que pode mudar tanto, quando descobrimos alguns conceitos e suas diferenças? Muita coisa ou praticamente nada. Contudo, ao se falar desses dois conceitos, inteligência e sabedoria, uma vez que nem tudo está perfeitamente claro, e muitos de nós confundem um conceito com outro, poderá haver, sim mudanças. Se houver uma preocupação com esses conceitos, se nos detivermos para analisar o que pensávamos e o que descobrimos, com certeza existe uma predisposição e um desejo de compreensão, discernimento e mudança. Muitas vezes, uma grande mudança.

A partir do momento mesmo em que inteligência e sabedoria se revelaram para mim como características distintas, revelou-se também uma nova busca – a da compreensão de seus significados e dos processos que levam a um e a outro, como também a da conquista ou dos passos necessários para que se adquira a sabedoria.

Quando me refiro à sabedoria, não falo de Sábios. Sábios agem com sabedoria todo o tempo. Sua vida é pautada em sabedoria. Sábios são a sabedoria. Não sei se me equivoco, mas faço distinção entre uma pessoa sábia e um Sábio. Pode ser sutil, mas vejo diferença entre os dois.

Agir com sabedoria várias vezes, ou muitas vezes, ou sempre que for necessário, esta é a busca. E como agir com sabedoria? O que seria a sabedoria? O que me levou, no passado, a confundi-la com inteligência ou, por outra, julgar que a inteligência poderia trazer paz e felicidade – estados de espírito que a inteligência, por si só, dificilmente trará?

Costumava dizer, por exemplo, que não entendia por que uma pessoa tão inteligente poderia fazer isto ou aquilo. Não sabia a diferença entre uma atitude inteligente e uma atitude sábia. E não sei, ainda hoje, como realmente é o processo da inteligência ou do desenvolvimento da inteligência. E continuo em meu desejo de saber muitas coisas sobre o caminho que leva à sabedoria e, uma vez que esta seja alcançada, sobre o caminho que é a própria sabedoria.

Na formação da inteligência muitos fatores se misturam e se tornam decisivos, e na conquista da sabedoria o esforço, a dedicação e o propósito são fundamentais. Note bem os diferentes termos que usei para uma e para outra – formação [e desenvolvimento] e conquista.

A inteligência, no meu entender, é construída a partir de um componente de hereditariedade e vai-se desenvolvendo com o apoio de todo um conjunto de fatores, dentre os quais penso que as contribuições afetivo-emocionais, sociais e nutricionais sejam as decisivas. Não se trata de uma busca, pura e simplesmente. Temos um potencial, grande ou não, e contamos, pelo menos inicialmente, com os estímulos que nos são proporcionados à medida que crescemos. Têm importância fundamental a família, a convivência, o alimento que recebemos, as oportunidades que nos serão oferecidas. Quanto maior a quantidade e melhor a qualidade dessas oportunidades e estímulos, maior a probabilidade de desenvolvermos nossa inteligência [que também não é de um único tipo, o que já se comprovou exaustivamente].

Por outro lado, não será com alimentos os mais proteicos e vitamínicos que se possa imaginar, nem com um convívio familiar e/ou social de excelente nível cultural, nem com uma enorme gama de oportunidades e estímulos sócio-culturais que se produzirá uma pessoa sábia ou com atitudes sábias.

Quando deixei de confundir atitudes inteligentes com atitudes sábias, ou, mais precisamente, pessoas inteligentes com pessoas sábias, descobri, ao mesmo tempo, o significado da sabedoria e sua importância para a nossa vida. Mas descobri também o quanto é difícil agir com sabedoria.

Acredito que também nos ajuda, e muito, em nossa busca individual e pessoal pela sabedoria, o berço que tivemos. Se nascermos e principalmente crescermos no seio de uma família e de uma comunidade cujos princípios norteadores são a bondade, a honestidade, a caridade, a pureza, o desprendimento e a harmonia, a busca pela sabedoria e sua conquista serão grandemente facilitadas, e o esforço envidado será menor. As feridas causadas pelos espinhos serão mais rapidamente tratadas e cicatrizadas, e os tombos e tropeções que inevitavelmente ocorrerão devido às pedras que existirão em nosso caminho serão motivos a mais para repensarmos e nos reerguermos com vitalidade e vontade renovadas. Tanto espinhos como pedras serão instrumentos para mudanças, aprendizados e renovação.

Um aspecto que nunca passara pela minha cabeça sobre os conceitos de inteligência e sabedoria, foi explicada por um amigo, dia desses, de uma forma bastante simples e através de pouquíssimas palavras: a inteligência não é boa nem ruim, e tanto pode ser usada para o bem como para o mal, ao passo que a sabedoria está sempre ligada ao bem.

Eu estava meio perdida num labirinto de explicações mais complicadas, como algumas que apresentei acima, abarcando hereditariedade, nutrição, ambiente, cultura, e meu amigo disse a coisa mais importante, afinal. Acho que ele disse a verdade. Afinal, quem conseguiria, se não fosse dotado de uma inteligência acima da média, inventar vírus poderosíssimos para infectar computadores? E quem, se não fosse inteligente, conseguiria inventar planos, estratégias e táticas para tantas coisas ruins, como guerras, grandes e bem-sucedidos assaltos e manipulação de pessoas? Qual a possibilidade de uma pessoa sábia dedicar seu tempo e energia para construir coisas que destruirão? E aí ficou totalmente clara a distinção: uma pessoa inteligente não é necessariamente uma pessoa sábia, pelos exemplos que citei. Da mesma forma, uma pessoa sábia não será necessariamente inteligente.

Todavia, é claro que sempre estamos à espera do melhor. Assim, se uma pessoa inteligente conquistar a sabedoria, terá subido degraus e degraus de uma escada muitas vezes íngreme, terá avançado muito em seu caminho muitas vezes cheio de obstáculos, e terá começado a contribuir grandemente para a evolução da humanidade. E se sua inteligência era apenas mais uma força para essa evolução, quando acompanhada da sabedoria fará toda a diferença.

Não desprezo a inteligência.

Muito pelo contrário, adoro conviver e trocar idéias com pessoas brilhantes. Não descarto a erudição e a cultura, pois tudo faz de nós seres humanos com maiores capacidades e possibilidades. Coloco, porém, a sabedoria acima de todos esses atributos, porque a sabedoria, sozinha, conduzirá ao caminho dos caminhos, que se chama paz.

Por Rose Nânie Heringer da Silva




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