domingo, fevereiro 14

Devagar e 100% no agora

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Como uma resolução de ano novo, meu compromisso de parar com a correria no dia-a-dia por um ano inteiro parecia bem ambiciosa. Mas logo descobri que eu conseguia me mover bem rapidamente sem deixar a minha mente se comprometer com a pressa. Na verdade, ficou óbvio que me apressar tinha menos a ver com a velocidade na qual eu fazia as coisas do que com a agitação e preocupação em ser alguém que eu não era. Quando parei de focar em qual seria a próxima coisa a fazer, tornei-me incrivelmente mais consciente do valor dos momentos comuns que eu estava perdendo – o calor do sol em meu rosto, o toque dos meus pés no chão, o cantar dos pássaros em uma árvore perto de casa. Muito do que escapava da minha atenção ganhou vida. A jornada para chegar aos lugares ficou mais importante do que a chegada; em vez de esperar pelo início ou fim de algo, descobri o prazer de prestar atenção no que acontecia bem na minha frente. E, assim, devo admitir que nunca mais fiquei tentada a fazer da pressa e da correria parte da minha vida.


A vida pode ser preenchida de incontáveis momentos perdidos. Na pressa de atender às demandas de família, trabalho, amigos e às necessidades de seu próprio corpo e mente, sua conexão com o presente é geralmente substituída por uma preocupação com o futuro. Perdida em pensamentos e tarefas, sua atenção é privada de simplesmente deslizar sobre a superfície da vida. É sempre muito fácil perder aqueles momentos simples que fazem o seu coração cantar: a risada de uma criança, uma chuva de folhas caindo de uma árvore enquanto você passa de carro, a batida do seu próprio coração. Você vive e emite o milagre da vida. Mas para isso tocar o seu coração, você precisa estar presente. Os momentos preciosos de calma e tranqüilidade pelos quais o seu coração busca nascem da sua boa vontade de viver o momento em que você está. Sim, este exato momento.

Viciado em intensidade
Se você examinar a sua vida, provavelmente descobrirá que presta muito mais atenção nos momentos de experiências dramáticas e intensas do que naqueles momentos quando parece que nada acontece. Excitação, sucesso, paixão e alegria são sentimentos sem dúvida bem-vindos e heroicamente perseguidos. E dor e tristeza geralmente inspiram um heroísmo enquanto você luta para evitar qualquer coisa que possa causar tamanho desconforto. Você pode descobrir que só quando todos os seus esforços em escapismo e distração forem esgotados que observará relutantemente o difícil, e geralmente receberá isso não com curiosidade sobre o que aquele momento pode ter, mas com uma agenda de consertar ou se livrar de tudo o que perturba o seu coração.

Momentos de drama têm valor se você os vivencia com inteireza – eles podem intensificar sua consciência e te despertar para a sua experiência. Esse ponto ficou claro como cristal no dia em que me encontrei sentada em um trem ao lado de um rapaz com rosto e corpo cheios de piercings. Perguntei se não era terrível ter tantos furos no corpo, e ele respondeu: “É profundamente doloroso, mas faz com que eu me sinta tão vivo!” Mesmo que você não use esses lembretes de dor no seu corpo e no seu rosto, há chances de que seu foco na vida também esteja em dores e prazeres. Um passeio na montanha-russa, a excitação de um novo amor ou férias em um lugar exótico oferecem uma sensação de estar vivo. Uma decepção amorosa, uma doença, uma briga ou uma oportunidade perdida podem trazer dor, mas também podem capturar e avivar a sua atenção. Mesmo o trabalho de rotina, que pode ser exaustivo, oferece aparente significado, direção e identidade.

Os dramas da vida dão ao ego um sentido de identidade, então é natural que a sua mente absorva rapidamente as dores, prazeres e tarefas que ela percebe. E, ainda assim, há eventos na vida que são simplesmente comuns, nem excitantes nem perturbadores. Árvores crescem, pássaros cantam, o sol brilha, a chuva cai. Você passa seus dias respirando, andando, sentando, conhecendo inúmeros lugares, momentos e pessoas em que mal repara. Nesses momentos comuns, a tendência é desconectar-se; em geral, esses momentos não parecem dignos da sua atenção. Você confunde o comum com o tedioso: falta de riqueza, de intensidade e de plenitude. Acostumado a externar alegria e vitalidade, você começa a detectar inquietação ou descontentamento internos em qualquer momento que não seja dramático nem intenso.

Mas ninguém tem uma mente preenchida apenas com pensamentos maravilhosos e nem um corpo explodindo de saúde e vitalidade. Ninguém de nós tem uma prática de meditação que seja continuamente excitante e arrebatadora. Seus dias têm inúmeros momentos comuns – pegar o ônibus, fazer compras no mercado, atender ao telefone, ficar preso no trânsito, fazer as tarefas diárias. Esses momentos não são menos valiosos porque não têm uma carga dramática. Eles são cheios de observações deliciosas.
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O encanto vive em você
Às vezes parece que o ordinário te priva do objetivo e, conseqüentemente, da identidade. Experimentar o não-fazer – para simplesmente observar a vida em vez de se ater aos seus mais intensos altos e baixos – parece de início profundamente desconfortável em sua estranheza. Muitas vezes você se encontra usando momentos quietos como um trampolim para a busca de algo novo, mais excitante. Mas se você pode verter a sua intensidade suficientemente para vivenciar os momentos comuns na sua vida, descobrirá que há sempre portas para a riqueza e a vitalidade que vivem dentro do seu coração. Em vez de contar com uma torrente de eventos externos que te deliciem, você rapidamente encontra a delícia de se conectar com a vida como ela é, bem no momento. Quando você celebra os momentos ordinários na vida, começa a conectar-se com tudo o que passou despercebido na sua vida interna e externa.

O encanto não vive apenas em uma praia exótica ou em um jantar maravilhoso com amigos. Ele vive no seu coração.

A consciência começa a permear não só os momentos atraentes, mas os simples também. E você começa a questionar a inclinação humana a externar tanto felicidade quanto infelicidade. Você começa a examinar a crença antiga de que seu despertar total depende da intensidade. Ao sustentar a consciência da sua almofadinha de meditação e trazê-la ao cotidiano, você começa a despertar a sua capacidade de se encantar. O encanto não vive apenas em uma praia exótica ou em um jantar maravilhoso com amigos. Ele vive no seu coração. Quando você honra cada momento prestando atenção nele incondicionalmente, é inevitável que encontre o encanto nos pequenos momentos da vida. Isso é viver de um jeito sagrado, abraçando com igual interesse o fascinante, o difícil e os incontáveis momentos na sua vida que não são nem agradáveis nem desagradáveis. Ao se libertar do vício em intensidade, você recupera momentos perdidos dos seus dias – e ganha vida e a capacidade de se encantar que vive dentro de você.

Tocando o ordinário
Seja curioso sobre sons, pensamentos e sentimentos cotidianos e desperte a habilidade de se encantar. Fique em uma posição relaxada para praticar meditação. Feche os olhos e repouse a atenção na sua respiração. Observe e sinta o corpo todo, notando o espectro de sensações e sentimentos presentes no momento. Observe como a sua atenção é levada àquelas sensações que são gostosas ou desagradáveis. Tome consciência de como reage a essas sensações – se resiste ao desagradável e delicia-se com o gostoso. Sinta os lugares do corpo em que não há sensação – palmas das mãos, orelhas, etc. Sinta como o seu interesse, sensibilidade e calma os traz à vida. Como você pode ver essas áreas de maneira diferente. Sinta o que é relaxar dentro do comum, explorando o alívio e a paz que você encontrará. Expanda a sua atenção para os barulhos externos. Repare nos sons agradáveis e nos irritantes. Sinta como você é atraído pelos sons agradáveis e como resiste aos mais irritantes.

Observe os sons do ordinário – o ruído da geladeira, o vento pela fresta da janela, o carro lá longe. Explore o que significa ouvir esses sons profundamente e descansar no puro ouvir. Traga a sua atenção para o espectro de pensamentos na sua mente – planejando, relembrando, preocupando-se – ,observe todos de maneira igual, com uma atenção calma que vê esses pensamentos chegando e indo embora. Que tal descansar no “ver”, deixando a mente fazer o que uma mente faz, sem segurar nenhum dos pensamentos que aparecerem? Expanda a sua consciência para receber tudo o que é presente nesse momento – seu corpo, sentimentos, pensamentos, sons. Explore o que é receber o momento, repousar em consciência. Sinta o amor que nasce do interesse, da conexão, do alívio e do modo com que seu mundo é despertado pela atenção que você dá a ele. Como seria trazer essas qualidades para a sua vida, escutar com todo o seu coração a tudo o que você negligencia ou recusa?

Texto de Christina Feldman, traduzido por G. Costa
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